sábado, 6 de abril de 2013


Conseguiu uma hora na manicure hoje. Era querer demais que fosse a Cris, sua preferida. Mas não importava, não via a hora de arrancar a pele morta, envernizar a queratina da ponta dos dedos. A profissional pergunta: pé ou mão? Eram os dois, mas ela chegara atrasada. Não tem celular, não tem relógio, está desorientada, não-situada.
Resignada, pensa que já não pode olhar mais para as mãos. A mão, responde. 
A TV diz que a seleção de futebol joga contra a Bolívia. Início de partida, ela se rende, fica: gosta da bola chutada como capacho. Repara mentalmente que a barba faz bem a Neymar. A mulher termina a cirurgia superficial e faz o curativo esmaltado na ponta dos seus dedos. Ela se sente melhor, mais leve e diz que vai ao banco pagar as contas que a esperavam ansiosas. Dirige. Passa na frente de um boteco e olha desatenta, mas nota o mesmo tiozinho que lhe dissera que "jardinava 'sua' árvore" plantada na frente da casa que nem era mais sua. 70 reais. Agora ele está cumprindo o turno da tarde noutro boteco, não mais naquele que fica na frente da casa que não é mais sua. 
Segue pensando nessas coisas enquanto ruma para o banco. Prometeu à manicure que voltava para curar os pés. 
Desce do carro. Um "tio" chapado declama 'pá arrumá uma moedinha pá nóis'. Ela balança a cabeça como quem não quer afirmar, mas sinaliza um tímido sim com o indicador. 
Sai do banco. Quase não lembrou da senha, mas tem memória de elefante. Fora do carro outro tio chapado espera, prostrado do lado da porta. Cinquenta centavos. Ele pede pra um deus abençoá-la por ter acabado de servir-lhe a próxima cachaça. Liga o rádio, bate a chave no contato. Elza Caetaneada viscera que o haiti é aqui, o haiti não é aqui. 
Volta para "fazer o pé". A manicure de ocasião lhe espera. A preferida sente pena por não ter agenda, para que na intimidade terapeutica do ofício apreenda um pouco de seus últimos meses. Ela também lamenta. 
Na TV, Galvão B. fala da 'festa da torcida do Brasil' que o canal inventou. 
E ela escreve imersa num escalda-pés. 
"É do Brasil": 3 a 0 e ela nem percebeu. 
A cabeleireira nota: tá estudando? Não! Tá fazendo uma redação? Sim! Tou fazendo uma redação! Nossa, que menina estudiosa, em pleno sábado!