terça-feira, 30 de julho de 2013

Decifra-te.

Se tivesse de ser um animal alado seria uma coruja.
Certamente.
Não exclusivamente.
Apenas do clã dos alados.
Pois bicho é também marítimo, terrestre.
Se tivesse que ser aérea, seria uma coruja cameleônica. Dessas que quando a gente pisca, já mudou de cabeça mas os olhos continuam lá, misteriosos, a te devorar.
Decifra-te. E aproveite para utilizar a conjunção "-me", a seguir. Ou seria partícula?
Uma dessas encorujadas que a gente encontra no meio da estrada quando todos os carros já desistiram de passar.
Sonâmbulas. Dessas que já estão ali, faz tempo, a te olhar intensa e profundamente. Das que velam enquanto tudo é silêncio e todos já desligaram as luzes.
Não, nunca foi das mais carnívoras. Mas devem existir aquelas que se perdem em rúculas azeitadas e alfaces calmantes e soníferas. Porque o mundo não é homogêneo nem nos universos encorujados. Não, nunca foi das mais sangrentas carnes. E tem sido cada vez menos. E os desafios da existência estão aí, a se oferecer todos os dias, clamando por superação.
E dai?
Daí que todo trickster pode ser o que quiser e ao mesmo tempo. Então, se tivesse que ser, seria observadora astuta que come carnes cruas sangrentas, além de ratos peregrinantes. Ao mesmo tempo em que devora com amor rúculas frescas e alfaces desprovidas de vinagre.
E mesmo tendo uma cabeça giratória, empenho da mais alta tecnologia da natureza, não teria tempo para se preocupar com questões filosóficas e humanas. Seria apenas mais um ser vivente, inserido na cadeia alimentar, lutando pela sobrevivência. Seguindo seus instintos e voando para onde der: na telha, nos muros ou nas encostas.
Mas enquanto não chega esse dia, escolheu transmutar-se em tia colhedora de frutas suculentas para dar ao sobrinho curioso que leva tudo que tem nas mãos à boca.
E trocou a luta predatória pela sobrevivência por delírios que a sacodem da cama para palavrear madrugada adentro. E ainda se delicia com o abrir de janelas para que o ar de brisa-de-noite-que-acabou-de-ser, adentre a casa junto com o sol das manhãs.
Mas depois volta a sonhar do ponto em que parou.


Que é pra não perder o rumo da história.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Depois que vi o infinito

Fogueiras são forças hipnotizantes.
Esteve às voltas, noites dessas.
Esse vento visível e desidratante é todo junino e julino no seu interior, mas antes era todo ancestral.
Fogo é coisa de sonhador...
Elemento revolucionário!
Depois virou indústria.
As coisas todas se retorcendo, desprovidas de sua água, vão desvivendo até encinzentarem num empoeiramento. Se for papel, queima de um jeito. Mas, se for madeira, que é um jeito diferente de ser papel, difere a desfiguração.
Muitas são as coisas que podem ser vistas diante de uma fogueira. Inclusive a cegueira.
Quando se cansa, pode-se olhar para o céu. Estrelado. As estrelas são luzes distantes que teimam em ficar perto naquele sempre inalcançável. Um estado vivo enquanto morto. As estrelas demoram-se a morrer.
Chorava ao ver o fogo estralante, em tons de azul, de vermelho-laranja, vermelho-sangue. Amarelo até. Mentira: era lilás.
Força tanta que era, poder transmutado num amarelo cósmico lacrimejante.
Dois olhos enfaiscados inundaram brasas refrescantes que escorreram em erupções constantes, ainda que controladas.
Fogo tem som só que também silencia quando quer. Seu som é vibrante e escaldante. Já teve ouvidos para ouvir? Soa como estrelas que fogem quando a água escorrega delas, queimante.
E pode até ter cheiro, se for um arroubo de flor. Se tiveres coragem de ver o sol sob as folhas secas... não aquele sol vivo de brisa que envivece. Falo daquele sol timbrante que esturrica toda a clorofila esparramada na folhagem, aquele que destitui toda a beleza primaveril em cinzas carbonizadas. Um sol de mamona rachada. Sabes? Esse! O sol-fogueira que destrói toda a vida da flor, mas em troca a transforma em perfume solto no ar. Cinza perfumante que dá vontade de suspirar.
E de morrer de ensuspiramento numa intoxicação.
Depois que ele queimar tudo, vem o mar guardado nas nuvens e faz a terra cheirar na ponta do nariz-gotícula. Mas também se pode ver o fogo-fumaça-de-asfalto porque, eu disse, depois tudo virou indústria. É só olhar ao redor depois que a gente esquece das estrelas.
Quando todo um ciclo, toda a morte refeita, a vida vira vento colorido bailante e água que arde na pele e no peito. A viagem é pra dentro, infinita. E quando você chega dela tens um cheiro de defumação colado no corpo. Não podes ter imunidade ao infinito porque nele estás.
Oito é infinito, já viu? A Matemática foi quem levantou.


Depois que voltou do infinito sonhou com alguém que trabalhava muito. E tinha um plano.
Sabes?

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Da preguiça

Ela sabia de tudo o que tinha preguiça.
Então o título veio logo, acabado de sair do banho.
Da preguiça é diferente de dá preguiça, sabemos.
O quê um acento bem assentado não torna diferente a vida da pessoa e as palavras da vida.
O dia era nacional e ela sentia preguiça.
É muito comum, mais do que ela podia controlar e ter consciência, esse seu sentimento de preguiça.
Muito ativa. Altiva. Muito ativa nos últimos meses.
Preguiça.
Era julho e depois de tanto exercício produtivo tinha medo de ter preguiça.
Mas tinha.
Quando era criança vivia ouvindo a mãe a mandá-la pro banho. Tinha mais coragem para brincar. A mãe não perdeu a mania de mandar, porque ela não perdeu a preguiça e nem deixou de ser filha. A diferença agora é que a preguiça é de sair do banho. A mãe não diz "Por acaso sou a dona da Sabesp?" em substituição a "Por acaso seu pai é dono da Sabesp?". O pai morreu sem ser dono de nada a não ser de si próprio e a mãe não incomoda o banho dela por nada.
Fundou, as pessoas todas fundam isso de certo modo, certos termos que explicam situações em contextos íntimos. Termos que antes remetem ao contexto em que foram forjados e explicam-no servindo também ao contexto atual em que foi acionado. Mas esses termos as vezes, extrapolam a intimidade e pulam da boca em contextos públicos ampliados.
Preguiça era um deles.
Costumava dizer tenho preguiça de gente que não responde mensagens.
Tenho preguiça de fazer média só pra não bancar a antipática.
Tenho preguiça de sair.
Tenho preguiça de ficar.
Tenho preguiça de escrever e de ler também.
Preguiça é então um ás, palavra preguiçosa e autoritária que não deixa soar outras palavras. Limita a criatividade ao mesmo tempo em que é altamente criadora.
Mas riu com os pensamentos rompidos pelo amigo que também tem preguiça de um monte de coisas, inclusive do lugar onde trabalha. Riu. Ele, que é muito desprovido de preconceitos musicais, cantou Débora Blando em tema de novela global enquanto abria janelas, e disse que nem ele que esteve a oferecer cartões de crédito o dia inteiro estava tão mal-humorado quanto ela. Quer dizer, com tanta preguiça. Ela riu. Nem se tivesse preguiça, teria o riso contido. Havia conteúdo risível naquilo tudo, no seu mal-humor que não era preguiça, mas fome.
Antes, quando se deparou com a preguiça faminta e mal-humorada dela, o amigo que é irmão compreendeu e cantou "se alguma coisa perturba você..."

E ela triplicou o riso. Lembrou de alguém que também deve sentir preguiça de várias coisas. Inclusive de gente que não tem medo.
Ela tem medo também, só que o transformou em outro nome.
Ousadia.

https://www.youtube.com/watch?v=9oYuBcTBQCM



quarta-feira, 10 de julho de 2013

M.M.A

Adriana tem lindas composições.
Dias desses andei ouvindo a Adriana entoando sua própria canção.
Mas a música era da Mart'nália.
Só que eu já era apaixonada pela canção da Adriana, que era da Mart'nália, entoada pela Marisa.
Nocaute é nocaute, não se finge. O amor é dessas coisas que depois de entregue não adianta reivindicar de volta.
Ou adianta?
Vai saber...

http://www.youtube.com/watch?v=Xp4SGYnqv8k




segunda-feira, 8 de julho de 2013

Just in time


O título chegou e depois era feriado.
Bebeu bebeu. O sapo que tinha na garganta saiu. Uma náusea grande, um parto.
Expectativas superadas. Fruto viçoso colhido num contentamento contido.
Dançou dançou. E flutuou no efeito terapêutico, extasiante-calmante.
Ficou muda depois. A voz saiu, o sapo levou embora. Silêncio.
Agora adentra madrugadas escritas em meio a goles de chá de gengibre. Não é por que não tem voz que não vai falar.
E abandonou-se aos romances visíveis em filmes cúmplices que só os amigos, daquelas entregas absurdas e inquestionáveis veem juntos. De tão boas, essas entregas a destituem de si mesma, ao mesmo tempo em que se entregam todos. Nem sempre os vê, esses amigos. Os encontros são a retomada do que sempre é. Mas a troca, categoria antropológica por excelência, não é do mercado. O mercado rouba. A troca é humana. 
Tem amigos humanos. Dos que a fazem ver romances. Mas dos bons, ainda que sejam romances.
Tem amigos arcaicos. Daqueles que intensificam tudo na vida. Estão imersos na necessidade de viver.
Era pra ser um texto sobre romances. Ela quase sempre foge deles e por isso os vê tardiamente. Procura ser apaixonada em tese. E exatamente por isso (o que não quer dizer que seja isso) disfarça, fala de teses, de filmes. E só depois, quando pode é que fala dos romances. Emudece quando não sabe o que fazer com o que sente.
Na prática sabe que a paixão não está restrita aos amigos. 

E foi dormir.


http://www.youtube.com/watch?v=CgXUeRbel3c

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Deixa o verão pra mais tarde

Podem dizer que gostam mais da versão do Hermano-Amarante.
Eu não.
Taí um caso onde a releitura é melhor do que a versão de quem compôs.
As vezes, e pra cada estação, é questão de ritmo...
O verão, aqui, ficou pra mais tarde.
...

https://soundcloud.com/balynah/mariana-aydar-deixa-o-ver-o