domingo, 17 de novembro de 2013

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

3 pontos 5 noves fora.

Escrever é como parir.
Não é uma coisa assim que você vai lá e faz. Assim sem menos e sem mais.
Tá certo que tem uma hora interna que você sabe que tá tudo lá, ainda que sem pé e nem cabeça. Daí você imprime, faz um ultrassom.
Por isso acaba-sendo-parto. Você sente, sabe, vê que está lá o teu rebento mas quando arrebenta você precisa olhar pra cara dele pra saber se tá tudo bem.
Se a cara tá naquele lugar que a gente acha que é o lugar normativo da cara.
O pé tá no lugar que nosso entendimento limitado enxerga que era pra onde estar o pé.
O gênero adequado pra cor da roupinha que escolheu pra ingressar na civilização fashion. Ou não (tomara!)
Mas já que o rebento ou arrebenta é seu, ou sua, tem que ter a tua cara, digo, tem que ter algo de você ali. É a sua reprodução.
Mas arrebentado o rebento ou arrebenta, uma vez que é ou quer ser produto - não no sentido produtivo e também nele - não pode ser só reprodução. Tem que ter tido criatividade e sintomas como ânsia de ansiedade mesmo ou de vômito para casos mais dificultosos. Dor também. E paixão. Alguma. Ou o que a gente chama de apego, amor.

Parou de escrever. Na verdade tinha escrito. Mas tava naquele pé: sem cabeça.
Aquele que apareceu pra escrever o parecer falou umas coisas. Ele tinha bem razão. Ou ela. Entendeu tudo e disse que o texto tinha que se fazer entender. Foi um bom parecerista o aparecista que de maneira invisível, prescreveu o receituário.
Mas então. Ela fez o recomendado na bula, ou melhor, na prescrição. Só que daí aniversariou.
Ela chegou. A mãe.
Depois quem chegou foi o presente que ela tinha se dado. O inanimado-animado Bandeira do outro post.
Ela não teve tempo pra ele, ainda. O famigerado, como diria o Rosa.

Só quis o tempo pra ela.
Veio de longe e trouxe e cantou bolo de parabéns. Re e encontrou seus amigos.
Trocou confidências e confianças com ela.
Pariu também. Cada um pare o filho que tem.
Hoje ela disse:
- Vou-me. Vai cuidar das suas coisas! Eu fico aqui e empato você.
Empata nada. Ela me ganha. Diz assim que é um jeito que mãe tem de dizer pro filho que você fica o tempo todo dando atenção pra ela e não sabe mais o que fazer, porque deixou tudo o que tinha pra fazer na vida só pra fazer isso: ficar com ela.
E hoje descabeladamente arrebenta acordou e deu de cara com a mala dela pronta e perto da porta da rua. Roupa trocada, esperando ela voltar do útero do sonho:
- Já tá pronta? Ensalivou sonâmbula.
E assim ela rumou pra metrópole. Foi. Deixou a rebenta arrebentada. Tem nem 12 horas e já tá que é toda saudade e costume.

Até na missa foi. Na verdade não foi na e nem à. Foi ao comércio. Mas daí, é como na piada: a porta tava aberta.
Tava pela metade, a porta não: a missa. Ainda bem, pensou aquela que entrou não por que a porta deixava, mas porque desde criança faz até o que não lhe agrada para agradar a mãe.
Mandou mensagem SMS:

- Tô na igreja, acredita?
Responderam: - Que bom.

É, mal não faz.
Então. Nada demais. Ritos que sabe de cor antes da antropologia. Sentiu-se no banco de madeira do catecismo infanto-juvenil e depois do reforço das leituras universitárias sobre catolicismo popular e ainda nos trabalhos de campo na cultura popular devocional. As músicas manjadas, todo o rito na memória. Então comunhão nenhuma lhe tira do sério.
Rendeu-se.
A mãe falou:
- Quer ir buscar o carro, ir ao banco: eu fico aqui. Disfarçando que é dessas que agrada a filha também, na retribuição de quem sabe que está sendo agradada.
Puta que pariu, pensou: como ela me conhece! E diz: Não, eu fico. Estava rendida e feliz na submissão. Mas não esperava um golpe tão baixo prescrito no final do rito.

Todo católico sabe. Ou quem já foi, enfim... Depois de todo o rito de comunhão e da paz de Cristo que é aquela hora da paquera ou de abraçar um amigo querido ou a sua mãe e sempre apertar a mão de um desconhecido (aqui também pode mudar o gênero, número e grau), tem uma hora informal que é aquela que antecede a libertação do catecúmeno materializada por essas poderosas palavras:
-"Vamos em paz e o Senhor os acompanhe" ou algo do tipo ou em outra língua, mas que você entende que acabou tudo.
Enfim, antes dessa hora tem os avisos à comunidade. Política tem também, a depender. Ou ainda falas sobre acontecimentos triviais (ou extraordinários) da comunidade. É que cada lugar é um, cada caso um caso. Em termos conceituais: todo rito por mais manjado tem as suas singularidades.
Eis que o padre teve a audácia de repetir, em forma de ladainha, a pergunta semanal da paróquia. Quer dizer, teve a capacidade infame de tornar singular algo mais que batido:

- Quem fez aniversário essa semana?

Acabou a antropologia ai. Ao menos a dela. Precisava urgentemente de um antropólogo ao lado pra fazer o registro da reação dela. Enrubesceu: de um jeito que ninguém poderia ver se tiver imaginação de quem acha que só gente pálida enrubesce. Parecia que tinham lhe dito no meio do templo e para ela mesma e ainda por cima, para todos: seu nome completo, idade, comida favorita, detalhes da sexualidade, quando deixou de fazer xixi na cama, enfim ficha completa.

A mãe falou: - Vai lá, Elisângela.

Toda vez que alguém me chama assim por extenso e que não é minha mãe fica parecendo que é. Só ela tem essa entonação para 'Elisângela' como algo solene ou para me mandar fazer algo do tipo "obedeça". Parece até que tá acontecendo grande coisa quando ela fala assim.
A rendição tem seu preço, mas não é porque está catequética e colonizada que não vai reagir. Não é porque é filha e por que quer agradar que não vai reagir.
E esse 'vai lá Elisângela' foi fulminante. Ela, quase ríspida que era pra não deixar debate:

- Não, não vou não.

Estava rendida na submissão, mas até rendição é escolha. Você precisa deixar explícito o limite e os termos da rendição. Se for retribuição, melhor. Você se sente pagando o justo.
Então, cantou parabéns junto e para os dois alvos lá no altar, mas também para ela mesma e pra outra escorpiana que ouviu o mesmo 'vai lá Fulana' do companheiro e teve o bom senso de dizer que não ia.
E terminado o parabéns adaptado à situação cristã, o abraço que ganhou da mãe foi qualquer coisa que não tem vocabulário agora pra dizer.
Chorou. Duas lágrimas, talvez três.
Aquele abraço foi todo abraço do mundo. Eu, Narcisa envolta na Terra, minha mãe. No templo. E só.
O mundo acabou.

Quando nasceu de novo disse:
- Só você pra conseguir me fazer entrar aqui.

E aos trinta e cinco, aprendeu que aprende mais de si e dela, enquanto o tempo dos sessenta dela, também passa.