quinta-feira, 11 de julho de 2013

Da preguiça

Ela sabia de tudo o que tinha preguiça.
Então o título veio logo, acabado de sair do banho.
Da preguiça é diferente de dá preguiça, sabemos.
O quê um acento bem assentado não torna diferente a vida da pessoa e as palavras da vida.
O dia era nacional e ela sentia preguiça.
É muito comum, mais do que ela podia controlar e ter consciência, esse seu sentimento de preguiça.
Muito ativa. Altiva. Muito ativa nos últimos meses.
Preguiça.
Era julho e depois de tanto exercício produtivo tinha medo de ter preguiça.
Mas tinha.
Quando era criança vivia ouvindo a mãe a mandá-la pro banho. Tinha mais coragem para brincar. A mãe não perdeu a mania de mandar, porque ela não perdeu a preguiça e nem deixou de ser filha. A diferença agora é que a preguiça é de sair do banho. A mãe não diz "Por acaso sou a dona da Sabesp?" em substituição a "Por acaso seu pai é dono da Sabesp?". O pai morreu sem ser dono de nada a não ser de si próprio e a mãe não incomoda o banho dela por nada.
Fundou, as pessoas todas fundam isso de certo modo, certos termos que explicam situações em contextos íntimos. Termos que antes remetem ao contexto em que foram forjados e explicam-no servindo também ao contexto atual em que foi acionado. Mas esses termos as vezes, extrapolam a intimidade e pulam da boca em contextos públicos ampliados.
Preguiça era um deles.
Costumava dizer tenho preguiça de gente que não responde mensagens.
Tenho preguiça de fazer média só pra não bancar a antipática.
Tenho preguiça de sair.
Tenho preguiça de ficar.
Tenho preguiça de escrever e de ler também.
Preguiça é então um ás, palavra preguiçosa e autoritária que não deixa soar outras palavras. Limita a criatividade ao mesmo tempo em que é altamente criadora.
Mas riu com os pensamentos rompidos pelo amigo que também tem preguiça de um monte de coisas, inclusive do lugar onde trabalha. Riu. Ele, que é muito desprovido de preconceitos musicais, cantou Débora Blando em tema de novela global enquanto abria janelas, e disse que nem ele que esteve a oferecer cartões de crédito o dia inteiro estava tão mal-humorado quanto ela. Quer dizer, com tanta preguiça. Ela riu. Nem se tivesse preguiça, teria o riso contido. Havia conteúdo risível naquilo tudo, no seu mal-humor que não era preguiça, mas fome.
Antes, quando se deparou com a preguiça faminta e mal-humorada dela, o amigo que é irmão compreendeu e cantou "se alguma coisa perturba você..."

E ela triplicou o riso. Lembrou de alguém que também deve sentir preguiça de várias coisas. Inclusive de gente que não tem medo.
Ela tem medo também, só que o transformou em outro nome.
Ousadia.

https://www.youtube.com/watch?v=9oYuBcTBQCM



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