domingo, 4 de agosto de 2013

Antepasto de Berinjela (ou Cada Um Luta com as Armas que Tem - ou Expropria

Há quem pense que dizer o que sente não tem nada que ver com política.
Engana-se.
Todo bom antropólogo sabe (ou devia saber) que o sucesso de seu trabalho de campo está diretamente relacionado às falas que obtém. Mas há ainda algo mais. Há aquilo que não pode ser gravado ou vir a público.
O segredo é a alma subterrânea da pesquisa de campo.
Quando você não diz o que sente sonega uma informação elementar daquilo que você é, foi ou pode vir a ser. Acaba sendo um ser de integridade parcial. Mas a parcela que falta é a que você deve pra você mesmo. Que no final a gente não deve nada pra ninguém. Alguém que não diz o que sente pode ser por que não consegue identificar o sentido, pra si mesmo. Como é que vai ser para o outro? Difícil. Mas pode ser também que o sentido fique incubado, guardado no si mesmo, sem arrebentação.
Porque ninguém vai ficar parado no tempo e no espaço sendo uma única-exclusiva-coisa só.
Sem conseguir ser o outro ou detê-lo nas armadilhas da ciência, o grau de aproximação do pesquisador daquilo que a pessoa é ou quer ser vincula-se à sua capacidade de ouvir e guardar segredos.
A cumplicidade entre pesquisador e 'pesquisado' que se sujeita por livre e espontânea pressão-vontade para além das falas e ações publicadas resulta ainda no que não pode ser dito. Tal intimidade pode ser comparada aos silêncios de pacto de sangue entre gangues ou entre casais e pessoas em suas trocas mais secretas. O que funciona como uma espécie de Filosofia na Alcova.
Pensava nisso enquanto esfaqueava dois lindos exemplares de Solanum melongena tornando-os filetes. Estivera a sonhar com elas encharcadas de azeite e desfalecidas pelo calor de um forno assante. Elas, submetidas a essas condições juntadas a uvas passas resulta das combinações mais inusitadas e mais interessantes ao paladar. Era com isso que sonhava a dias. Toda essa transformação culinária, o Cru e o Cozido, o Doce e o Amargo ali, na sua frente para o almoço de domingo.
Costuma realizar seus sonhos. Sobretudo com aquilo que come.
Gastou nele um vidro de azeite. Português do mercado porque o produto do tráfico virou presente materno. Esse tráfego-tráfico tem que se intensificar mais, sem as mediações do clero, da burguesia, das empresas de viação aérea, da receita federal e da Igreja. Precisa de azeite português sem mediações, como se atravessar o oceano fosse atravessar a rua. Não se trata de um sonho de consumo, apenas. É no mínimo limitado, condenar assim alguém que apenas pensa no tráfico do azeite quando a história mostra que o tráfico era de escravos. E 'Formação de Quadrilha' devia ser o nome que se dá aqueles que insistem em impedir que o fiel toque, beije e converse com seu próprio santo. As restrições perderam lugar na Era do Vinagre foi isso que o Papa de batinas esqueceu de dizer.
Depois que parou com o tráfego-tráfico esbarrou com a rotina do teatro que interrompeu em Hygiene a última peça que faltava da Teatrologia do XIX e que foi buscar em Coimbra.
Pois bem.
Primeiro ficou imersa numa Dama do Mar internacional de Municipal que se combinou ao anfíbio ao qual se fundiu no cinco do mês. Adaptada ao título, mas desconfortável porque a gente nem sempre tem que saber o que fazer. Aliás, quase sempre não sabe. Aprende na marra como todo ser vivo. E cria, transforma como faz o bicho-homem/mulher.
Depois foi ver outra mulher, Cacilda!!!Glória no TBC de um Zé Celso vigoroso filho da Araraquara que lhe cospe ao mesmo tempo em que aplaude. Hoje, domingo, tem mais na Morada Ensolarada. Dentre todas as combinações alto-baixo, céu-inferno, sagrado-profano do sempre-mutável na mitologia do diretor, cinco horas em  que os 1960 se encontram com 2013 ao som de Evoés coletivos com direito a Minotauro. Tudo dispersado por lances de bomba de gás lacrimogêneo como num cataclismo atômico e tecnológico, mas que também atua como Maracatu.
Quem quiser que veja e reveja. E faça seu próprio trabalho de campo, a sua imersão.
Vai sair de lá com muitas mulheres, uma lição sobre o fazer teatral e tapa na cara de histórias de luta no Brasil.
Mas, por favor, não me perguntem: 'o que é que Antropologia tem a ver com Teatro*' ou o que isso tem a ver com aquilo. Pessoalmente, recuso respostas fechadas. Mas como boa professora que quero ser, abro para questões dissertativas, indico que se retome o primeiro parágrafo ou que se leia a bibliografia citada ou discretamente sugerida. Tudo isso sem esquecer do toque especial, juntar os ingredientes com a percepção do universo ao redor -  no plano interno e externo.
Amém. Saravá. Só a Antropofagia nos une, nos salva. Diria o Oswald. 'O Salve' fica por minha conta. Por conta dos crentes na força dos temperos.

* Para Ana Carolina, mulher, amiga, filha, irmã, tia e atriz.
Tudo não necessariamente numa ou noutra (des)ordem.

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